Abrantes, Entroncamento, Covilhã e Castelo Branco
Fomos até ao Hospital de Santa Maria, mas não estamos doentes.
Fomos encontrar-nos com um neurocirurgião italiano que fala melhor português que muitos portugueses e que, depois de enriquecer os seus conhecimentos na capital, estende agora a sua acção ao interior do país motivado pela necessidade de apoiar as populações com menor acesso à sua especialidade médica.
Quando chegou a Portugal só falava inglês mas depressa se familiarizou com a nossa língua.
Na equipa do neurocirurgião João Lobo Antunes, aprendeu muito e voltou a acreditar na meritocracia, que diz já não existir em Itália.
Escolheu o nosso país para viver e criar os seus dois filhos, Vittorio e Niccolò, ainda crianças.
Está em Portugal há 7 anos e, do que conhece, gosta sobretudo do Alentejo.
Este é, em traços muito gerais, o neurocirurgião Martin Alfio Lorenzetti, 42 anos, que agora abraça também o interior do país à procura de novas experiências.
Exerce em Lisboa, mas o novo desafio vai levá-lo a ver doentes em outras paragens: Abrantes, Entroncamento, Covilhã e Castelo Branco.
Perguntamos o porquê e percebemos que a novidade lhe vai permitir operar os doentes que não consegue operar em Lisboa: com patologias degenerativas da coluna, menos prioritários que outros doentes com patologia tumoral, mas que necessitam igualmente de uma operação, porque muitas vezes estão confinados a casa, explica-nos o Dr. Lorenzetti.
Apaixonado por Portugal
Filho de um arquitecto e de uma jurista, o nosso amigo confessa que não nasceu com a ideia de ser cirurgião, sendo a sua figura de referência principal o avô, juiz e diplomata em Praga, a cidade com o centro histórico mais fascinante do mundo aos olhos do Doutor.
“Ia para letras e filosofia, mas como a minha mãe achou que eu estava a pensar demais, pôs-me a estudar medicina!… Gradualmente foi-se delineando a paixão pela neurocirurgia, encontrando-me agora muito satisfeito com o meu percurso”.
Esse percurso esteve para ser muito longe de Portugal.
“Fazem-me constantemente essa pergunta, porque vim aqui parar deixando um país como a ltália?
Sou de Milão e trabalhei em dois dos Centros Neurocirurgicos de referência lá, tendo-me formado como especialista no Hospital Universitário Políclinico di Milano e seguidamente trabalhado como assistente hospitalar no Instituto Clínico Humanitas, sempre em Milão.
No entanto, as condições de trabalho e crescimento profissional na Itália foram-se degradando muito devido as inadequadas políticas nacionais que ao longo dos anos resultaram no excesso de médicos e na descentralização da patologia.
Essa foi a razão pela qual quis sair de Itália não desistindo da minha natural ambição de crescimento profissional.
Consegui uma fellowship (bolsa de estudo) numa das Neurocirurgias de renome mundial em Tel Aviv – Israel, faltando só a assinatura num contrato de quatro anos, mas quando lá aterrei com a minha esposa percebemos logo que não era o que procurávamos.
O ambiente de insegurança, a atmosfera militar, as marcas nos edifícios levaram-nos a mudar rapidamente de ideias.
Nessa altura surgiu o contacto do professor Lobo Antunes e a possibilidade da vinda para Portugal e fiquei apaixonado por este país!
Fui fantasticamente recebido aqui, gostei bastante do serviço, das condições de trabalho, do civismo dos portugueses, dez vezes maior que o dos italianos, e assinei por dois anos para dar o máximo.
Como neurocirurgião em regime de exclusividade no Hospital de Santa Maria em Lisboa desde 2011, aprendi muito, fiz muitos serviços de banco por semana, tendo a oportunidade de realizar muitas operações, entrei definitivamente no Quadro do Serviço, foi um período muito bom”.
Infelizmente, a reforma, doença e morte de João Lobo Antunes trocaram-lhe as voltas, acrescendo ao período de crise aguda que Portugal atravessou.
Teve que voltar-se então também para o privado, para poder manter a estabilidade económica da família além de satisfazer o gosto que sente em acompanhar com mais disponibilidade os seus pacientes: “No público, muitas vezes não há tempo para garantir uma relação humana com qualquer um dos muitos doentes que vejo nos horários limitados da consulta, enquanto qualquer um deles pretende justamente essa relação, não se entregando num momento de fragilidade, nas mãos de um desconhecido qualquer de bata branca. Nunca imaginei que tivesse tantas visitas no meu site para as pessoas saberem quem sou, mas de facto muitos dos doentes que vejo em consulta, até no Santa Maria, já visitaram o meu portal na internet. Isto mostra que os doentes querem conhecer o médico que os vai tratar, operar ou aconselhar”.
Relação médico-paciente é fundamental
No seu portal, em http://www.drmartin-lorenzetti.pt, onde se dirige aos que sofrem de dor nas costas, na coluna, no pescoço ou na zona lombar, dos formigueiros, da falta de força nos membros ou do cansaço nas pernas, dá conselhos e esclarece que estes são sintomas que podem ser indicadores de que está na altura de consultar um neurocirurgião.
Pessoalmente, o Dr. Lorenzetti refere que o atrai a possibilidade de criar um laço com o doente, de ter uma conversa com ele, de conquistar a sua confiança e perceber exactamente o que o preocupa e os obstáculos que tem na sua vida devido àquela dor ou problema.
E acrescenta: “A primeira pergunta que os doentes me fazem quando vão ser operados às costas é se há o risco de ficarem numa cadeira de rodas. Esta é uma pergunta tanto sincera quanto reveladora sobre a consciência que o doente tem da importância do sucesso do tratamento da sua doença pelo impacto que terá na qualidade da sua vida. É fundamental haver confiança no seu médico como para o médico é importante sentir essa responsabilidade. Por isso é tão importante que os profissionais sejam dedicados e tenham condições para o ser. Só assim os doentes aceitam que o cirurgião pode ser falível como qualquer humano e sentem que nos casos em que o tratamento não resulte logo à primeira, a garantia do sucesso estará na persistência dos cuidados adequados pelo seu médico. A falta de relacionamento de qualidade entre médico e doente é, a meu ver, o principal aspecto negativo da saúde hoje, tornando demasiadas vezes um pedido de ajuda numa acusação de culpas pelas coisas não correrem sempre da “forma ideal”.
No final da nossa conversa, perguntamos-lhe se gostaria que os filhos também venham a ser médicos.
“Como pai, para mim o mais importante é estar o mais presente possível e dar-lhe amor, carinho e abrir o maior número de possibilidades. Quero mostrar-lhes o mais possível e direcciona-los o menos possível esperando que no futuro encontrem algo de que gostam verdadeiramente sendo assim, como se diz em Portugal, meio caminho andado”.
O interior do nosso país pode agora contar com a presença de Martin Alfio Lorenzetti, um conceituado neurocirurgião que procura ir ao encontro das necessidades das populações que vivem fora dos grandes centros urbanos, porque, assegura: “A felicidade que eu retiro da minha profissão é ver a satisfação nas pessoas”.
*Entrevista / exclusivo Martin Alfio Lorenzetti, um trabalho do jornal EXPRESSO do Oriente.