Uma histórica e memorável sessão
O livro “Cem Poemas de (morrer) de amor e uma cantiga partindo-se”, da autoria de Gonçalo Salvado e Maria João Fernandes, com desenhos de Francisco Simões, foi apresentado, no passado dia 7 de dezembro, na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
“Unir todas as vozes que caminham para a noite.”, António Ramos Rosa, “Fundação do Corpo”.
“(…) dos seus começos no século XII até Pessoa a poesia portuguesa
é uma “canção de amor” ininterrupta.”, Eduardo Lourenço
A propósito desta apresentação, escreveu Maria João Fernandes:
“Há momentos que não se repetem na história e na vida cultural de uma cidade, neste caso Castelo Branco, que justamente pela sua notável atividade cultural, e em várias frentes, pode atualmente ser considerada um dos centros, neste âmbito, de maior dinamismo do nosso País.
Um momento verdadeiramente memorável e que desejamos registar e partilhar com os albicastrenses que não o presenciaram, foi a sessão de apresentação, sexta-feira 7 de Dezembro no Auditório da Biblioteca Nacional de Portugal da Antologia de Gonçalo Salvado e Maria Fernandes: Cem Poemas (de Morrer) de Amor e uma Cantiga Partindo-se, inteiramente apoiada pela Câmara Municipal de Castelo Branco, com capa e desenhos do escultor Francisco Simões e prefaciada por Guilherme d’Oliveira Martins. A sessão abriu ao som dos incomparáveis acordes da música de elementos do grupo “João Roiz Ensemble”: Custódio Castelo (Guitarra Portuguesa); José Filomeno Raimundo (Piano), Pedro Ladeira (Clarinete) e Miguel Carvalhinho (Guitarra Clássica). A que se acrescentou a alma deste conjunto, a belíssima voz da Fadista Ana Paula, intérprete do momento mais alto do evento, dando voz, 500 anos depois, ao imortal poema de João Roiz, o que mereceu entusiastas e merecidos aplausos e a outros poemas a partir do livro apresentado.
A obra que decorre das comemorações promovidas pela Câmara Municipal de Castelo Branco, dos 500 anos da “Cantiga Partindo-se”, o intemporal poema de João Roiz de Castelo Branco, uma referência do lirismo nacional, já tinha merecido, na cidade que lhe deu o nome, uma apresentação pelo ex Ministro da Cultura, o Dr. Luís Filipe de Castro Mendes, um dos cem poetas incluídos. Com o livro coincidiu aliás a grande e belíssima exposição de esculturas, cerâmicas e desenhos de Francisco Simões: “Amor Única Chama” comissariada por Maria João Fernandes e evocadora do seu universo.
A recente apresentação em Lisboa pelo Professor Guilherme de Oliveira Martins é mais um momento de consagração desta obra que tem entre outros, o mérito de alargar as fronteiras culturais de Castelo Branco, promovendo o diálogo com um público nacional, a quem se destina em primeiro lugar, embora o destino de uma obra de referência como esta, que retoma um tema fundador do lirismo europeu e português devesse ser internacional. O que não seria impossível, atendendo até, a que o título glosa voluntariamente um outro, que já é património da nossa memória cultural, os Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada de Pablo Neruda.
Na verdade, quer o Prefácio inicial de Guilherme d’Oliveira Martins, quer os estudos introdutórios de Maria João Fernandes e Gonçalo Salvado situam o tema no filão a que pertence, o do lirismo nacional já estudado por Eduardo Lourenço que o insere numa vasta tradição nacional, contributo fundamental para a nossa identidade cultural.
Eduardo Lourenço honrou aliás com a sua presença, o que pode considerar-se um grande acontecimento, pela apresentação a um público mais alargado, de um tema pela primeira vez reunido na literatura portuguesa. A relação do amor e da morte, que pela sua recorrência e importância na nossa literatura e no estro de poetas maiores e de outros quase desconhecidos, desde o século XIII, situa nas palavras de Jaime Cortesão, “a afetividade lusitana (…) como “o paradigma do mais puro amor humano.” O que Carolina Michaelis corrobora ao considerar “O sentimentalismo fundamental da saudosa alma portuguesa que morre de amor”.
Quem és, ó doce respiração de meu sangue?, Gonçalo Salvado.
E Maria João Fernandes acrescenta:
“Competiu neste caso ao grande historiador e intérprete da cultura, Guilherme d’Oliveira Martins a apresentação e reflexão sobre o tema no contexto desta Antologia que por diversas vezes qualificou de ‘magnífica’, elogiando o percurso e o trabalho dos autores, desenvolvendo um tema já esboçado no seu Prefácio: “A cultura portuguesa assenta numa diversidade de elementos que lhe dão um especial encanto. Estamos perante uma encruzilhada de influências e de temas que Miguel de Unamuno sintetizou em duas referências: o sentido lírico e a história trágico-marítima” e ainda: “Dir-se-ia que nestes versos encontramos a presença de toda a poesia do Ocidente peninsular, com a plasticidade própria de um movimento cadenciado do amor e da morte, do encontro e do desencontro, do desespero e da esperança… E voltamos a lembrar Amadis, o Donzel do Mar, e Oriana, a sem par, na expressão de Afonso Lopes Vieira: “Mas o amor não tem fim, se é belo amor; ou, se o tem, tem-no em si mesmo, porque amor ama o amor…”.
À brilhante apresentação seguiram-se as intervenções de Gonçalo Salvado e de Maria João Fernandes, na sequência da introdução da Diretora da Biblioteca Nacional de Portugal: Drª Maria Inês Cordeiro, de Carlos Semedo em representação do presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, do Editor João Carrega e do escultor Francisco Simões que igualmente enalteceu a qualidade da Antologia apresentada.
A sessão terminou com uma leitura de poemas, pelos poetas presentes. Casimiro de Brito e Adalberto Alves, Joana Lapa (Maria João Fernandes) e Gonçalo Salvado e também de alguns dos poetas que por razões de saúde não puderam participar. Os poemas de Agripina Costa Marques e Maria Teresa Horta foram lidos por Maria Paula, uma voz albicastrense. Foi ainda lido por Gonçalo Salvado, o poema de António Ramos Rosa, “Fundação do Corpo”, uma particular homenagem de Maria João Fernandes. O poema de David Mourão-Ferreira que deveria ter sido lido pelo filho, David Ferreira que assistiu à sessão, acabou por ser interpretado pelo seu grande amigo e ilustrador, Francisco Simões. Tratou-se verdadeiramente de “Unir todas as vozes que caminham para a noite” e dela triunfam afirmando o poder do Amor numa memorável iniciativa que prolonga o universo lírico dos autores nela envolvidos e apela certamente a uma continuidade do seu projeto de dar forma a uma Arte de Amar em língua portuguesa”.
* Poeta, Crítica de Arte (A.I.C.A., Associação Internacional de Críticos de Arte)
Recorde-se que, em Castelo Branco, o livro foi apresentado pelo ainda ministro da Cultura, Castro Mendes.