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25 de Abril sempre!

Liberdade e democracia nos discursos políticos

Todos os anos, nesta altura, muito se escreve e fala sobre liberdade. Nos discursos políticos, essa invocação benigna é logo seguida pela grande palavra democracia, para, sem perder tempo, dois ou três parágrafos à frente, se romper em apelos de esperança, de mudança e de igualdade.

Desde o “sonho traído” de Ramalho Eanes, em 1977, todavia, os discursos registam também uma nostalgia da revolução, uma expectativa que, ano após ano, timidamente se receia perdida e teimosamente se recusa perder.

Ana Rita Calmeiro

Nascemos sem asas, mas soubemos criá-las – diria José Saramago –, nesse dia em que os anónimos fizeram política, nesse dia em que os portugueses fundaram um regime novo e se impuseram aos que se julgavam senhores do nosso destino.

Hoje, um outro Abril, temos liberdade e asas… mas o que foi feito da incandescência do inconformismo, o que foi feito da vontade de ter voz e voar?

Os portugueses estão afastados da política, enojados até, preferem não saber, não votar. A abstenção, outrora sinal de vil desinteresse, começa a parecer um sinal de não ratificação, de não identificação – não há partido, não há líder que mereça a dita esperança de Abril.

Pouco faltará para que os políticos sejam vistos como a representação social da ociosidade, da desonestidade e da corrupção.

O que se tem feito em Portugal para honrar Abril? Não será certamente usar Abril para fazer politiquice partidária, avocar a Constituição e os direitos sociais para apontar o dedo aos outros, a bater no peito do interior esquecido.

Não será certamente usar Abril para o auto-elogio, para a exortação do mandato, para a propaganda demagógica.

Deveríamos ser maiores do que isso, deveríamos ser apenas cidadãos de Abril, portugueses, unidos pelos valores da revolução.

Não se honrará Abril enquanto os interesses dos partidos se sobrepuserem aos interesses do país e a militância for o exercício de longos monólogos de conveniência, de pura argumentação estéril, de acusações, de falsa indignação.

“A virtude da política pode ser ensinada e todos a devem aprender” – disse Protágoras – e essa é nossa missão, a nossa verdadeira militância, o nosso dever de Abril.

Celebrar Abril é um dia, honrar Abril é uma vida. Uma vida de amor pelo mundo e pelo outro, uma vida de respeito pelo diferente, uma vida de conjugação de esforços, de união de forças ideológicas, de ambição pela grande liberdade de jamais pedir e de tudo alcançar por mérito próprio.

Não nascemos no melhor dos mundos… convivemos todos os dias com desigualdades, miséria, terror e medo.

A nossa comunidade já não é a “casa portuguesa, com certeza”, é uma comunidade global onde somos um povo entre muitos, uma língua entre muitas.

Honrar Abril é também dominar o medo e não permitir que o desconhecido seja nosso inimigo. Honrar Abril é respeitar as instituições onde escolhemos integrar-nos e envidar esforços para o seu sucesso. Honrar Abril é, entre muitos povos e muitas línguas, saber não perder a nossa identidade e a nossa alma lusa – ser europeu, sim, mas português.

Honrar Abril é não tratar o humanismo e as conquistas de Abril como se fossem propriedade da esquerda ou da direita – sem conseguir perceber, sem lograr ter a sensibilidade de compreender que Abril é o ponto de união de todas as ideologias do nosso hemiciclo político.

Poderemos ter diferentes visões de como alcançar os sonhos humanistas de Abril. Poderemos ter diferentes estratégias económicas, diferentes prioridades, diferentes protagonistas, diferentes indicadores, números diferentes – sim, teremos. Mas todos desejamos o mesmo.

Todos queremos mudar o mundo, para o tornar melhor – e não vejo nem conheço fraternidade mais revolucionária do que essa.

Cada um no seu papel simples no contexto local.

Executivos, para implementar, oposições para propor caminhos alternativos. Uns para a acção e outros para a fiscalização, no equilíbrio de forças que serve a dignidade da política e a transparência do sistema que é uma criação de Abril – saibamos honrá-lo além do seu vigésimo quinto dia, com a elevação das intervenções e com a inteligência das críticas. Saibamos honrar Abril fazendo as perguntas certas, saibamos honrar Abril dando resposta a todas as perguntas.

A acção política pode ser, como prega a filosofia, um “segundo nascimento”. A possibilidade de refazer, de corrigir, de escolher melhor.

A refundação política de Abril respira do activismo cívico, da participação espontânea, do interesse individual na coisa comum. Hoje podemos celebrar Abril, mas é tão pouco. O país precisa de todos, atentos, sonhadores, concretizadores – homens e mulheres a quem Abril deu asas e voz. Em ano de eleições autárquicas, mais uma oportunidade se coloca a todos para essa reafirmação da vontade e da capacidade do nosso povo. A bem de Portugal.

*Ana Rita Calmeiro, (Discurso apresentado na sessão de comemoração do 25 de Abril, na Assembleia Municipal de Castelo Branco, em 2016)

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