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Ponto de Vista… por Florindo Ramos

+CO3SO: Paradoxo empreendedor

Foi apresentado no passado dia 15 de Julho, em Melgaço, o Programa +COESO Emprego numa sessão que contou com a presença de duas ministras (Coesão Territorial e Trabalho/Solidariedade/Segurança Social) e um Secretário de Estado Adjunto (Desenvolvimento Regional) e quatro presidentes de Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (só não esteve presente o representante de Lisboa e Vale do Tejo). Tanto “peso” institucional constituiu um sinal claro da importância que o governo quis atribuir ao lançamento deste (novo?) programa.

Florindo Ramos

Em nota à comunicação social o Governo já havia enquadrado esta iniciativa no contexto mais vasto do Programa +CO3SO – COnstituir, COncretizar e COnsolidar Sinergias e Oportunidades, como um conjunto de programas transversais e multissectoriais dedicados a empresas, entidades da economia social e entidades do sistema científico e tecnológico. O Programa +CO3ESO Emprego disponibilizará, neste contexto, 240 milhões de euros de fundos europeus dos Programas Operacionais Regionais do continente para apoiar a criação de cerca de 3.800 novos postos de trabalho na sombra do SI2E.
Na realidade, o +CO3ESO Emprego é financiado pelas “sobras” da componente Fundo Social Europeu (FSE) do seu antecessor, o designado SI2E. Um fracasso completo que deixou uma herança pouco recomendável e que não augura nada de positivo para os potenciais beneficiários desta “nova” iniciativa.
De forma surpreendente, coube ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte realizar a apresentação do +CO3SO Emprego. Se se compreende a relevância das chamadas CCDR enquanto “autoridade de gestão”, estranha-se que não tenha sido a Ministra da Coesão Territorial a enquadrar um instrumento directamente relacionado com a sua tutela. Convido os leitores Beira News a assistirem à sessão disponível em https://bit.ly/3eX7Vsm e que averiguem da qualidade da apresentação realizada.
Tal como sucedeu no SI2E, Grupos de Acção Local (GAL) e Comunidades Intermunicipais (CIM) são colocadas em “concorrência”, relegando sempre os GAL para uma posição inferior e desprestigiante em relação às CIM quando são os GAL que detêm mais experiência na gestão deste tipo de programas e conhecem muito melhor os respectivos territórios, seus agentes e recursos endógenos.
Assim, candidaturas para criação até 2 postos de trabalho serão analisadas pelos GAL, cabendo às CIM a análise dos projectos que proponham a criação de mais de 2 postos de trabalho. Tal como no SI2E, os GAL ficaram com as candidaturas até 100 mil euros e as CIM até 235 mil euros.
Infelizmente, a população em geral quase desconhece o que são os GAL, uma realidade que se lamenta tendo em conta o papel valioso que os mesmos desempenham há cerca de 30 anos no desenvolvimento local. Deixaremos para um próximo artigo a exploração dos principais motivos que geram este quase anonimato dos GAL.
As Beiras, nomeadamente a Beira Interior Sul, contam com um dos melhores senão o melhor GAL do país. A visibilidade e reconhecimento da importância do bordado de Castelo Branco, deambular pela Feira Raiana em Idanha-a-Nova, degustar Migas de Peixe no Festival anual em Vila Velha de Ródão com um bom queijo Lourenço de entrada ou folhear as páginas dos Cozinhados Lembrados de Penamacor são apenas alguns dos muitos exemplos dos resultados do trabalho meritório do GAL Adraces Beira Interior Sul. Por esse país fora, a história, trabalho, inovação e legado dos GAL é riquíssima.

+CO3SO Emprego não tem em conta os efeitos da pandemia Covid-19
Esperava-se que instrumentos de apoio à criação de emprego divulgados após o aumento muito significativo do número de desempregados nos meses de Março a Maio, devessem privilegiar a recuperação dos postos de trabalho perdidos para o coronavírus. Não é o caso do +CO3SO Emprego, totalmente omisso quanto a este aspecto.

+CO3SO Emprego não apoia auto-emprego, nem empreendedorismo nem empreendedorismo social
Todos os Avisos já publicados para acesso aos apoios do +CO3SO Emprego (são dezenas por região) contêm um erro grosseiro no que diz respeito aos beneficiários dos apoios, estando claramente em dissonância com os conteúdos da Portaria que regulamenta o Programa. Aquele diploma prevê, exclusivamente, entidades colectivas susceptíveis de usufruírem dos financiamentos em causa. Tal está definido de forma clara e inequívoca no Artigo 7.º da Portaria n.º 52/2020 de 28 de Fevereiro. Apenas PME e entidades da economia social já existentes à data da submissão das candidaturas podem aceder aos apoios das 3 modalidades do programa disponíveis (Interior, Urbano e Empreendedorismo Social).
Os Avisos a que nos referimos, consagram, no entanto, duas vias de acesso: a da criação do próprio emprego (a tempo inteiro e remunerado) e a criação de postos de trabalho por conta de outrem. Nesses mesmos Avisos (para as modalidades Interior e Urbano), “empreendedores” estão expressamente referidos como possíveis beneficiários. No entanto, os critérios de elegibilidade definidos mais adiante no texto dos Avisos remetem para o Artigo 8.º da Portaria que apenas consagra PME como entidades elegíveis!
Imagine-se o caso destes dois empreendedores/as: o/a empreendedor/a A pretende criar o seu próprio emprego prestando serviços de apoio à digitalização dos negócios associados a recursos endógenos de um determinado território; O/a empreendedor/a social B desenhou uma solução inovadora para mitigar os efeitos da pandemia Covid-19 na população idosa.
Recordo aos leitores Beira News que o +CO3SO Emprego está a ser divulgado no contexto de um sistema de apoios ao emprego e empreendedorismo. A única forma que o/a primeiro/a empreendedor/a tem de aceder aos apoios consiste em criar inteiramente por sua conta e risco uma empresa antes de submeter a candidatura, apresentar a mesma já em nome dessa empresa… caindo inevitável e paradoxalmente, na criação de postos de trabalho por conta de outrem (independentemente da forma jurídica da empresa criada e mesmo que seja o/a único/a trabalhador/a da empresa)! Considera o governo adequado propor esta “solução” a desempregados inscritos nos Centros de Emprego do IEFP, I.P.?
Para o/a empreendedor/a social a situação é ainda mais caricata. Impossibilitado de submeter a sua candidatura a título individual, resta-lhe criar uma cooperativa ou associação, apresentar a candidatura em nome dessa entidade recém-criada… caindo novamente na tipologia do trabalho por conta de outrem!
Portanto, o +CO3SO não é nem tem como ser um programa de apoio ao auto-emprego, nem de empreendedorismo, nem de empreendedorismo social. Trata-se, simplesmente, de um programa de apoio à contratação por conta de outrem via contratos sem termo. Espera-se que os Avisos sejam corrigidos a bem da transparência e rigor na aplicação dos Fundos Comunitários.

Dotação financeira e número de postos de trabalho a criar
Os 240 milhões de Euros e 3.800 postos de trabalho aparentam uma dimensão considerável para a iniciativa, mas uma análise mais cuidada esbate muito dessa primeira impressão.
Os 3.800 postos de trabalho representam 4,7% dos 80.896 novos desempregados inscritos nos Centros de Emprego do Continente entre Março e Maio de 2020.
Quanto à dotação financeira, vejamos o exemplo dos Avisos do GAL Adraces Beira Interior Sul (modalidades +CO3SO Emprego – Interior e +CO3SO Emprego – Empreendedorismo Social): 615.279,20€ e 350.000€, respectivamente.
Tendo em conta, os valores máximos de apoio por entidade beneficiária divulgados no Nota à Imprensa a que aludimos no início, serão apoiados entre 7,5 a 9 postos de trabalho na modalidade Interior e entre 3 a 4 na modalidade Empreendedorismo Social. Isto num território que integra os concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor e Vila Velha de Ródão, com cerca de 68.000 habitantes.

GAL (novamente) colocados em posição delicada
Compreenderão seguramente os leitores Beira News a razão pela qual a maioria dos GAL (são 54 no total) não estão a divulgar a iniciativa (nem se justifica que o façam) com a dinâmica que se poderia esperar. O número de postos de trabalho a apoiar é tão reduzido que estas estruturas de desenvolvimento local preferem assumir uma postura “low profile”, sabendo da enorme frustração que gerariam (e já estão a gerar ainda assim) nos potenciais beneficiários se avançassem para campanhas de promoção do Programa de larga escala.

O que deveria ter sido feito?
O governo tinha à sua disposição todos os elementos necessários para a criação de um programa coerente e vocacionado, de facto, para o desenvolvimento dos territórios. Faltou-lhe visão e coragem políticas para tomar as decisões mais adequadas.
O +CO3SO Emprego, tendo origem no SI2E e sendo financiado exclusivamente pelo FSE, deveria guardar uma ligação exclusiva (no mínimo, prioritária) aos projectos apoiados neste quadro comunitário e anteriores pelos GAL. Nas últimas três décadas, são milhares as iniciativas e ainda mais postos de trabalho que só puderam ser criados através dos apoios concedidos/mediados pelos GAL.
O +CO3SO Emprego deveria, pois, designar-se “+CO3SO Emprego GAL”. A rede de GAL existente no país e os projectos por si apoiados nos últimos 30 anos garantiriam a criação dos 3.800 postos de trabalho sem qualquer dificuldade, de forma bem mais sustentável e enraizada nos respectivos territórios. Qualquer projecto apoiado por um GAL não precisaria de demonstrar a sua adequação à estratégia de desenvolvimento local do mesmo, pois sem essa adequação nunca poderia ter sido apoiado. Para aceder aos apoios do “+CO3SO Emprego GAL”, as entidades promotoras dos projectos apoiados anteriormente teriam simplesmente de enquadrar esses postos de trabalho numa estratégia de inovação, consolidação ou expansão das suas actividades.
Claro que neste modelo, a gestão dos apoios caberia exclusivamente aos GAL no que diz respeito á análise das candidaturas, independentemente do n.º de postos de trabalho a criar que nunca poderia exceder o número de três, por motivos de sustentabilidade e boa gestão dos fundos comunitários.
Esta solução, não recuperando integralmente o espírito da iniciativa comunitária Leader seria uma forma de perpetuar de forma viva, renovada e inovadora o legado daquela iniciativa pioneira que tanto marcou os que tiveram o privilégio de a concretizar nos seus territórios ou de a acompanhar de perto (como foi o meu caso). Não se trataria, pois, de «saudosismo» como de forma tão deselegante se referiu o Presidente da CCDR-Norte no passado dia 15 de Julho em Melgaço, mas sim de capitalizar e potenciar ainda mais os resultados de excelência atingidos pelos GAL através da “abordagem Leader”.

*Florindo Ramos
Director Executivo i9social
Florindo Ramos é objector de consciência do Acordo Ortográfico

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