Professor Joaquim Martins
Há pessoas que nos marcam para sempre; ou porque partilhámos Leituras e momentos felizes; ou (ainda mais importante) porque quando sentimos o chão pouco seguro, lá estão como faróis a indicar-nos novas e estimulantes direções.
O Professor Joaquim Martins foi uma figura singular dentro do património cívico e cultural do concelho de Castelo Branco. A sua figura quase bíblica; pela sua estatura alta e esguia; as suas barbas a lembrarem um profeta sempre com o livro debaixo do braço; e o seu labor contínuo de colocar algum sentido num quotidiano acelerado, avesso à contemplação e ao diálogo sereno com o tempo.
Mas a saudade mais latente é a da sua voz; sempre num tom calmo e conciliador (nas antípodas do meu nervoso pouco miudinho), conseguia quase por milagre um efeito apaziguador na minha desassossegada alma que sempre aspirou ao azul e vive com o desejo da contemplação de uma Beira Baixa verde, sempre verde.

O Professor Joaquim Martins emprestou essa sua voz calma, pausada, mas firme, a muitas das Leituras promovidas pela Alma Azul: na Livraria Central ou na Galeria Santa Clara; no Parque da Cidade de Castelo Branco ou em Coimbra; sempre que promovia alguma atividade e ele se encontrava por perto, lá aparecia solidário e empenhado.
Vê-lo entrar na Galeria Santa Clara ou, ao longe, a aproximar-se do Pavilhão da Alma Azul na Feira do Livro era uma alegria que terminava sempre num abraço fraterno e de camaradagem.
Mas só em 2016 conheci o relato da sua infância e o percurso desse homem que para mim sempre teve um toque de irreal; uma espécie de personagem de um romance sobre esses cristãos primitivos que povoam o livro de Mário de Carvalho: “Um Deus passeando pela brisa da tarde”.
Contava eu que, em janeiro de 2016, para assinalar o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira; a Alma Azul organizou uma sessão na Galeria que contou com a presença de um professor do Liceu Camões que se cruzou ainda com Vergílio Ferreira, em Lisboa.
A sessão não decorreu como era costume na ampla cave sempre cheia de pessoas, mas numa sala menor o que permitiu uma maior
intimidade e um chá bem quente que transformou a conversa num diálogo intimista em que o Professor Joaquim Martins seguindo a narrativa da vida de Vergílio Ferreira e a sua formação no Seminário do Fundão, expôs também ele a sua própria experiência de uma infância numa aldeia pobre do Interior a quem só o Seminário abria as portas para uma estudo mais elevado e mais exigente.
Nessa tarde, descobri (em parte) onde foi moldada a sua tolerância; essa paz que todos desejamos perante o infortúnio e as dificuldades do quotidiano; e a atitude conciliadora e facilitadora de acordos entre fações em litígio.

Só em parte, porque o que desde sempre nos aproximou foram os livros. Toda uma Biblioteca diversa e infinita para uma tão curta vida humana; um legado de mulheres e homens, muitos sofrendo privações (de alimento e liberdade) nos deixaram em forma de livro. Numa Biblioteca há espaço para todos; há respostas impensáveis para a solidão e o abandono; há uma fraternidade, uma igualdade e uma liberdade que alguns acreditam ser impossível, mas que é possível e bem real.
No dia em que a Alma Azul completa 21 anos; no próximo domingo, escolhemos o Professor Joaquim Martins como destinatário das Leituras com que vamos celebrar mais um ano completo de trabalho.
Às vezes penso, neste tempo de mudança (que Camões nos ensinou a aceitar como um tempo de novas qualidades) como seria importante a presença do Professor Joaquim Martins, para nos apaziguar nesta desgraça coletiva e para nos apoiar.
Como o fez, com determinação, registe-se, no já longínquo ano de 2005, em que a Alma Azul e a Câmara Municipal de Castelo Branco se uniram para tornar possível a edição e a oferta de um pequeno conto (as bibliotecas iniciam-se sempre com um só livro, grande ou pequeno) de Ana Castro Osório; a todas as crianças que frequentavam o 1.º ciclo do ensino oficial do concelho de Castelo Branco. Eliminando assim, simbolicamente, todos os desequilíbrios sociais; e dando a todas as crianças a oportunidade de inaugurarem (ou aumentarem) a sua Biblioteca.
Não conheço trabalho mais prodigioso.