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Facebook e fósseis de comportamento animal revelam uma nova abordagem à evolução nos oceanos

Ao longo dos últimos 500 milhões de anos, o comportamento dos animais que vivem no fundo dos oceanos tem evoluído segundo regras que são surpreendentemente análogas àquelas utilizadas no Facebook, Instagram, Twitter e outras redes sociais desenvolvidas nos últimos anos.

Esta conclusão inovadora foi descrita por uma equipa multidisciplinar de cientistas coordenada pelo paleontólogo Andrea Baucon (Universidade de Génova, Itália), e que inclui o português Carlos Neto de Carvalho (Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO/investigador do Instituto D. Luiz da Universidade de Lisboa), Gabriele Tosadori (Universidade de Verona, Itália) e Alexandre Antonelli (Royal Botanic Gardens de Kew e Universidade de Gotemburgo, Suécia).

O estudo foi publicado na edição de Junho da influente revista Geology (https://doi.org/10.1130/G48523.1), considerada no Web of Science como a mais impactante revista de geociências nos últimos 12 anos.

A revista Geology dedica a capa desta edição ao estudo de Baucon et al.

Este estudo combina estruturas de actividade paleobiológica preservadas sob a forma de icnofósseis de 45 sítios paleontológicos espalhados pelo mundo com sofisticadas simulações por computador para explicar uma das hipóteses fundamentais da paleontologia: a divergência evolutiva entre padrões e graus de complexidade observada em icnofósseis de ambientes marinhos de plataforma e abissais.

Desde os anos 50 que os cientistas detectaram um padrão recorrente no registo fóssil, em que os icnofósseis presentes em rochas depositadas em ambientes marinhos abissais mostram-se, na sua forma representativa de busca e seleção de alimento no substrato marinho, muito diferentes daqueles que caracterizam rochas sedimentares formadas em ambientes marinhos costeiros, ao longo de todo o registo geológico conhecido no mundo referente aos últimos 500 milhões de anos.

Em concreto, os icnofósseis de ambientes abissais mostram padrões geométricos complexos de redes hexagonais ou de espirais e meandros, por vezes desenvolvidos a diferentes escalas, que se caracterizam por uma impressionante regularidade geométrica.

Já os icnofósseis de ambientes marinhos costeiros mostram formas mais simples e irregulares.

E estes padrões são recorrentes, não importa se os investigadores procuram icnofósseis em distintos continentes ou nos mais variados registos geológicos de diferentes idades, estes mostram sempre a diferença de geometrias.

Esta divergência de padrões de busca e seleção de alimento revelou-se ser persistente no registo geológico, de tal modo que a indústria dos petróleos utiliza os icnofósseis, entre outras técnicas, para descobrir e caracterizar novas reservas de petróleo, através de associações características que permitem definir ambientes sedimentares (incluindo a profundidade a que se formaram no leito de mares e oceanos) propícios à geração e armazenamento de hidrocarbonetos.

Apesar de ser bem conhecida, a hipótese de divergência evolutiva entre ambientes marinhos, normalmente distinguidos, entre outros factores, pela presença de luz solar nos ambientes marinhos costeiros que determina a existência de uma cadeia alimentar suportada por organismos fotossintéticos, bem como pela ausência de luz e de correntes marinhas nos fundos abissais, que permitem apenas a sobrevivência suportada por decompositores, nunca foi testada, e os princípios que a modelam permaneciam desconhecidos…até agora.

São os comportamentos de alimentação de organismos abissais realmente diferentes daqueles que vivem em ambientes costeiros e, se sim, porquê? Para responder a estas questões, Andrea Baucon e co-autores utilizaram a mesma matemática aplicada às redes sociais para capturar – numa única imagem! – 500 milhões de anos de evolução biológica nos fundos marinhos.

Em concreto, os investigadores pacientemente representaram cada icnofóssil encontrado em sítios paleontológicos de diferentes idades e distribuídos pelo mundo, como um círculo (nó), conectando com uma linha (ligação) todos os icnofósseis encontrados em associação.

Tal como uma rede de Facebook é composta de gente adicionada por relações de “amizade” ou de interesses, a resultante ‘rede de comportamentos fossilizados’ é constituída por icnofósseis que normalmente ocorrem em associação resultante da exploração do mesmo espaço ecológico, assumindo estratégias de busca e seleção de alimento nos fundos marinhos que foram controladas pelos mesmos parâmetros ecológicos.

Quando olharam pela primeira vez para a “rede de comportamentos fossilizados”, Andrea Baucon e colegas ficaram maravilhados pela sua beleza e organização intricadas.

Eles observaram dois grupos distintos de ‘amigos’ constituindo a “rede de comportamentos fossilizados”.

A intuição demonstrada por investigadores no passado foi confirmada pela análise estatística, que revelou que a “rede de comportamentos fossilizados” é claramente constituída por dois grupos temáticos de “amigos” distintos e sem ligação entre eles, correspondendo a ambientes marinhos costeiros e abissais.

Setenta anos depois da proposta apresentada por um dos mais célebres paleontólogos a título global, o alemão Adolf Seilacher, a divergência evolutiva entre comportamentos alimentares no fundo dos oceanos e de ambientes marinhos costeiros é agora claramente ilustrada e demonstrada. Como é que isto aconteceu?

Baucon e colegas sabiam que a resposta estava no padrão de ligações.

Tal como a rede de Facebook se desenvolve a partir de fenómenos sociais, a “rede de comportamentos fossilizados” é definida por fenómenos biológicos.

O padrão de ligações da “rede de comportamentos fossilizados” revelou ser como aqueles acontecimentos onde a coincidência é apenas aparente e que vulgarmente designamos como “o mundo é pequeno”– uma rede de contactos singular em que cada “post” é acessível a todos os membros de imediato ou por um reduzido número de “partilhas”.

Fósseis

Este princípio matemático está subjacente à teoria dos ‘Seis graus de separação’ de Stanley Milgram, i.e., a ideia que, no mundo, são necessários no máximo seis laços de amizade para que duas pessoas quaisquer estejam ligadas.

De acordo com os autores do novo estudo, a estrutura de mundo-pequeno da “rede de comportamentos fossilizados” deriva de espécies que exploraram os mesmos recursos ecológicos e que são universais – especialistas e generalistas – o que tem determinado o controlo espacial da busca e seleção de alimento ao longo dos últimos 500 milhões de anos.

Este processo evolutivo tem paralelo com o desenvolvimento das redes sociais, em que a generalidade dos indivíduos se associa (faz amigos) com quem já conhece no mundo real, ou com quem tem interesses semelhantes (icnofósseis de ambientes específicos), e relativamente poucos são aqueles cuja maioria dos “amigos” são desconhecidos ou fazem parte de grupos de interesse com os temas mais diversos (icnofósseis que ocorrem nos mais distintos paleoambientes marinhos).

Duas regras simples podem ter determinado 500 milhões de anos de evolução dizem os cientistas.

A divergência evolutiva descrita pelos autores tem implicações para o conhecimento da evolução da vida e aplicações na indústria da energia, que utiliza os icnofósseis para determinar a presença de paleoambientes favoráveis à produção de petróleo e gás natural.

Ao demonstrar a divergência persistente da forma criada por um comportamento de alimentação no fundo marinho, ao longo de uma escala de tempo evolutiva, o trabalho agora publicado sugere que a dinâmica do mundo-pequeno terá controlado o fluxo genético e a variação natural em comportamentos transmitidos de geração em geração.

Tal poderá indicar que a dinâmica do mundo-pequeno tem sido uma força evolutiva importante nos oceanos, embora até agora negligenciada.

Referência:
Andrea Baucon, Carlos Neto de Carvalho, Fabrizio Felletti, Gabriele Tosadori, Alexandre Antonelli (2021). Small-world dynamics drove Phanerozoic divergence ofburrowing behaviors. Geology 49 (6): 748–752 (https://doi.org/10.1130/G48523.1)
Nota:
Este estudo contou com o apoio financeiro do Município de Idanha-a-Nova, na sua estratégia para conhecer e valorizar os recursos patrimoniais do concelho
Sobre os autores

Andrea Baucon é paleontólogo na Universidade de University of Génova. A sua investigação baseia-se nas relações entre formas de vida e o substrato (Icnologia), com particular atenção para a importância ecológica e evolutiva dos organismos que colonizam os substratos. Foi professor de Paleontologia na Universidade de Trieste e coordena uma equipa internacional de cientistas que estudam os efeitos das alterações climáticas nas interações de organismos com o substrato (CAMBIACLIMA project).

Carlos Neto de Carvalho é geólogo investigador do Instituto D. Luiz da Universidade de Lisboa e coordenador científico do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO. A sua investigação ao longo de mais de 20 anos centra-se na evolução do comportamento preservado no registo fóssil, focando especialmente o registo sedimentar de interações comportamento-ambiente.

Fabrizio Felletti é professor de geologia e de sedimentologia na Universidade de Milão, onde obteve o seu Doutoramento em  2001. Desde 2002 que dá aulas nesta universidade. O seu trabalho incide no estudo de sistemas sedimentares, desde a análise de fácies à modelação geoestatística, de forma a caracterizar formações carbonatadas e siliciclásticas como reservatórios petrolíferos ou de águas subterrâneas.

Gabriele Tosadori trabalha na Universidade de Verona, Departamento de Medicina. O seu principal tema de investigação refere-se à análise de redes em sistemas biológicos com aplicações nas mais diferentes áreas, como a sequenciação de ARN de célula-única, dados neuropatológicos e redes de fósseis.

Alexandre Antonellié o director de Ciência de Royal Botanic Gardens em Kew. Também é professor de biodiversidade e sistemática na Universidade de Gotemburgo e professor visitante na Universidade de Oxford. A sua paixão é a natureza e a sua missão é contribuir para reduzir a perda de biodiversidade. Por esta razão, ele estuda a distribuição e evolução de espécies e desenvolve métodos que aceleram as descobertas científicas. A sua investigação centra-se nos trópicos, onde ocorre a maioria das espécies e onde as ameaças à biodiversidade mais se fazem sentir.

 

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