O CÂNTICO DOS CÂNTICOS TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO
“Maravilloso acto cultural, grandioso el poema bíblico y su muestra.”
Palavras do Poeta espanhol António Colinas sobre a Exposição e o Colóquio dedicados ao Cântico dos Cânticos na Biblioteca Nacional de Portugal.
O Colóquio“Porque o amor é forte como a morte – O Cântico dos Cânticos, Paradigma Universal da Cultura Portuguesa” nas palavras do seu comissário, o poeta Gonçalo Salvado, “representou um grande contributo para uma renovadora visão e interpretação do lirismo português e da cultura portuguesa, à luz do Cântico dos Cânticos.”
Acrescentando que “ficou claro que este poema bíblico, considerado por muitos o mais belo poema de amor e erótico da humanidade, exerceu uma influência extraordinária na nossa cultura, desde o seu alvor, impondo-se, quer na sua vertente religiosa, quer na profana, como um dos seus mais férteis, inegáveis e reiterados paradigmas.”
Um desenho de Álvaro Siza Vieira, foi a belíssima imagem do Cartaz que o divulgou.
O Colóquio que decorreu na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, nos dias 17 e 18 de novembro de 2021, veio na sequência da Exposição “Beija-me com os Beijos da tua Boca – O Cântico dos Cânticos – Exposição Bibliográfica e Iconográfica”, que esteve patente, nessa instituição, na sala museu, em 2020.
A mostra foi apresentada em 2017, na Biblioteca Municipal de Castelo Branco, para acompanhar o lançamento do livro de poesia de Gonçalo Salvado “Cântico dos Cânticos”, ilustrado com desenhos do escultor João Cutileiro, ponto de partida deste projeto.
A intervenção de Arnaldo Pinto Cardoso, autor de pioneiro estudo sobre o Cântico dos Cânticos em Portugal e suas representações artísticas, desenvolveu-se numa perspetiva cronológica, contemplando a literatura mística e religiosa, a literatura na sua dimensão lírica, o teatro, a música e as artes plásticas.
Ficou no conjunto bem patente, não apenas a atualidade na cultura portuguesa deste universal hino ao amor, mas a vertente de inovação que assume nos nossos dias, em diversos domínios, realçada em quase todas as intervenções, mesmo naquelas que o consideraram numa perspetiva histórica.
Caso por exemplo da preleção de José Augusto Martins Ramos que mencionando embora “as leituras bíblica e teologicamente registadas” e as suas transposições metafóricas de sentido simbólico e místico, realçou “o primigénio sentido lírico” que se impõe numa “cumplicidade entre religião e sensualidade”.
Tema de uma outra notável comunicação de Eugénia Maria da Silva Abrantes que afirmou a este respeito: “nunca a experiência mística atingiu o auge da expressão plena do amor até ao dia em que se deixou impregnar pelo texto sagrado, muito em especial do Cântico dos Cânticos”.
A expressão total de um amor simultaneamente místico e sensual foi objeto da comunicação e do belo estudo de Manuel Cândido Pimentel incidindo sobre o livro, um dos ícones do nosso lirismo: A Adoração de Leonardo Coimbra, visto à luz do Cântico dos Cânticos” que revalorizou, relacionando-o com a filosofia do autor.
A atualidade do tema na estética amorosa de Herberto Hélder foi sublinhada por Vasco António da Cruz Gonçalves que abordou o “Amor como movimento sagrado”, a partir da dimensão simbólica e metafórica da sua poesia.
Por sua vez José Carlos Seabra Pereira destacou num exaustivo e brilhante ensaio a influência do “Cântico dos Cânticos na Poesia Portuguesa Finissecular”, tema da sua comunicação, com realce para Belkiss de Eugénio de Castro, tratando-se da primeira vez que esta obra, um marco da poesia dramática em Portugal, foi analisada à luz deste imortal livro de amor.
A vertente dramática do Cântico dos Cânticos teve destaque com a referência por Ana Rita Martins à peça Meia-Noite (inicialmente Sulamite) de D. João da Câmara, que tentou com esta obra introduzir o drama simbolista em Portugal, elevando o teatro ao estatuto da poesia.
Os atores Maria Emília Castanheira e Marques D’Arede fizeram reviver essa peça, estreada a 5 de janeiro de 1900 no Teatro D. Amélia.
Os mesmos atores introduziram o testemunho de Pedro Mexia sobre a versão do Cântico dos Cânticos de José Tolentino de Mendonça, lendo um excerto da sua tradução feita diretamente a partir do hebraico.
A este respeito pronunciou-se Pedro Mexia enaltecendo esta nova interpretação do texto bíblico, ousada e renovadora.
Por sua vez Eugénia de Vasconcelos autora da última versão do Cântico dos Cânticos publicada recentemente entre nós, refletiu sobre o par arquetipal que inspira uma intemporal visão do amor.
O grande historiador Luís de Moura Sobral (1943-2021) que recentemente nos deixou e cuja presença estava prevista no Colóquio foi homenageado, tendo sido evocado o seu estudo sobre o Pintor Bento Coelho da Silveira,que refere como “um caso único no seu tempo: o primeiro pintor europeu “a ilustrar” passos do Cântico dos Cânticos”.
O Cântico dos Cânticos com grande expressão na música de todos os tempos, marcou presença na música portuguesa contemporânea com duas composições de Cândido Lima, Cantica-Cantica e Eré(ó)tica, notáveis pela inovação e pela rotura com os cânones clássicos, sobre as quais o autor se pronunciou.
A compositora Isabel da Rocha secundou estes aspetos apresentando a Cantata cénica “Song of Songs” de que é autora, levada à cena em 2017 na Igreja da Misericórdia do Porto e refletindo sobre o seu processo criativo e sobre “as potencialidades que o Cântico dos Cânticos oferece à criação musical”.
Gonçalo Salvado empreendeu por sua vez uma viagem transversal sobre a repercussão que o Cântico dos Cânticos exerceu na cultura internacional ao longo da história, aflorando, também, por vezes, aspetos menos conhecidos relativamente à cultura portuguesa.
Um excerto do filme Once upon a time in America (1983), visualizado, do realizador italiano Sergio Leone (1929-1989) onde o célebre poema bíblico é lido por um casal, foi um exemplo da sua expressão contemporânea.
O Colóquio encerrou com uma intervenção de Maria João Fernandes, verdadeiro pórtico para um projeto futuro em coautoria com Gonçalo Salvado, tendo em vista a publicação de um livro e a realização de uma grande exposição internacional sobre a expressão do Cântico dos Cânticos na cultura mundial, do século I ao século XXI.
Mostra em que a cultura portuguesa deverá ter protagonismo, por apresentar neste contexto novidades como a representação do Cântico no azulejo, caso único na Europa, ou na pintura do século XVII, na série de quadros de Bento Coelho da Silveira.
No âmbito da apresentação do livro que dá conta da expressão em língua portuguesa do Cântico dos Cânticos, da Idade Média à atualidade, Maria João Fernandes defendeu a tese que fica nesta obra perfeitamente demonstrada, de que o Cântico dos Cânticos é um arquétipo fundador do lirismo português.
Um arquétipo, cujas principais facetas realçou, detendo-se na polarização alquímica de feminino e masculino, sonho de amor irradiando na imagem da luz que o simboliza.