Natália Correia é a autora de quem muitos falam, mas poucos leem.
Mais do que a sua obra foi o seu percurso, sempre num estado de rodopio
entre a comédia e a tragédia, que lhe deram uma áurea de mulher fatal e
Poderosa.
Esquiva e teatral, esta açoriana nascida a 13 de setembro de 1923, na
aldeia de Fajã de Baixo, em São Miguel, nos Açores, teve em sorte uma
mãe, Maria José Oliveira, republicana, feminista e literata que, após a
fuga do marido para o Brasil, criou Natália e a irmã, Cármen, com
dificuldades, mas com grande inteligência e espírito empreendedor.
Uma mãe que enfrentou as regras de um Estado Novo que obrigava as
mulheres casadas a assinaturas constantes do marido; leis de um país que
não aceitava o argumento do marido se encontrar em paradeiro
desconhecido no Brasil.
Natália vive desde a infância o drama da ausência do pai, mas manifesta
cedo um arrojo e sagacidade que a ajudam a contornar as dificuldades
num estilo inteligente e personalizado.
Na escola revela-se uma insubordinada e apesar da sua inteligência (que
todos lhe reconhecem) os resultados académicos são dececionantes.
Não resto, também nada lhe é fácil.
A pretensão de ganhar dinheiro na rádio, onde terá começado a trabalhar como interprete de canções românticas; e depois como locutora, terá motivado o seu primeiro casamento aos 19 anos.
Com o marido a autorizar o emprego radiofónico.
Na rádio lê poemas, seus e de outros escolhidos por si; e inicia as colaborações em jornais e revistas que se multiplicam dado o seu estilo assertivo e de combate; começando a publicar poesia que a lança na maior luta pela liberdade de expressão que há registo em Portugal.
Natália Correia é, segundo dados recolhido pela sua biógrafa Filipa Martins, e editados em “O Dever de Deslumbrar”, a mulher mais censurada deste país no século XX; como autora, como editora e como coordenadora da célebre “Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e
Satírica” (Afrodite, 1965) pela qual foi julgada e condenada.
É dessa época o famoso poema “A Defesa do Poeta” que termina com os dois versos mais conhecidos de Natália Correia “Ó subalimentados do Sonho! / a poesia é para comer.”
Mário Cesariny frequentador, como Luiz Pacheco e tantos outros escritores dos mais variados quadrantes, da sua casa na Rua Rodrigues Sampaio, que partilhava com o seu terceiro marido Alfredo Machado, sócio e gerente do Hotel Império, descreve o seu primeiro encontro com Natália: “A primeira vez que vi a Natália Correia foi no São Carlos. E
estava na galeria e ela no segundo balcão. Quando a vi, aí pelos anos 50, apesar de já não ser muito afeto a senhoras, ia caindo para o lado pelo espetáculo de beleza que apresentava. Era quase extra-humana, era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo. Era impressionante. Mas era também uma mulher de um desdém muito grande (Público, 16 de março 2003)”, dez anos a morte de Natália Correia.
A beleza de Natália Correia é lendária e comentada por todos os que a conheceram na juventude.
O que não impede os seus livros de serem censurados um após outro.
Publicará no livro “Dimensão Encontrada” o famoso poema “Queixa das almas jovens censuradas” a que José Mário Branco dará voz, em 1971.
A sua obra, da poesia ao romance e ao teatro, é composta por sátiras, algumas de uma ousadia sem precedentes como a peça “O Homúnculo”, onde retrata Salazar e o seu poder absoluto.
O ditador não resiste a ler a peça, que é, obviamente, proibida.
Natália Correia participa como escritora e cidadã em todas as lutas que lhe propõem para acabar com o regime totalitário vigente; e apoia todas as candidaturas de oposição a Salazar.
E, já em democracia, a sua escrita continuará jocosa e satírica fazendo as delícias do combate político; como o famoso poema dedicado ao deputado João Morgado “O ato sexual é para fazer filhos” publicado no Diário de Lisboa, em 1982.
E o menos conhecido, mas igualmente divertido “Cancioneiro Joco Marcelino” que dedica a Marcelo Rebelo de Sousa em 1989, em “O Corvo” jornal de campanha eleitoral autárquica da Coligação por Lisboa, onde publica o Fado do Coveiro: “Das artes mágicas campeão audaz/ tira Marcelo da manga outra faceta; / por sua dama Lisboa, o Galaaz/ faz-se à
viela e ginga à lisboeta. // Calça à boca de sino e cachené/ ao marialva senil metendo inveja, / fidalgo edil que canta para a ralé/ o faduncho finório gargareja. // Estremece Aníbal com o pardal fadista/ que aquilo é treino para o último regalo:/ escaqueirar o reinado cavaquista / e sobre a tumba, por fim, cantar de galo.