Em semana de Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, no passado dia 25 de novembro de 2020, achei oportuno falar sobre este tema. Parece-me que é um tema sobre o qual ninguém consegue ficar indiferente, todos temos uma opinião sobre isto ou conhecemos alguém que é/foi vítima de violência.
Nos dias que correm, vejo que as pessoas encaram a violência como um meio para atingir um fim, em que se tenta vedar a vontade alheia, para a submissão à sua própria, e pior, quando falam sobre o acontecimento, falam-no com orgulho, como um pai tem de um filho no primeiro dia de escola. Vejo aqui vários problemas, para além da própria violência em si, mas a falta de respeito pelos direitos de personalidade, vontade e pela pessoa.
O crime de violência contra as mulheres é uma realidade. É dura. Mas é uma realidade. Mas também não é só contra as mulheres que a violência acontece em número preocupantes, mas contra crianças ou idosos também é bastante alarmante. Curioso que, o maior índice de violência é contra os elementos mais fragilizados da nossa sociedade.
Para escrever este artigo, fui consultar o relatório da APAV referente ao ano de 2019,dos casos que acompanharam e fiquei completamente abismada. Em 2019 acompanharam 11.676 casos de violência, em que liderança está a violência contra as mulheres com um número esmagador de 8.394 casos, sendo que 23 casos diários, que reflete em 81%! Não, isto não acontece só contra as mulheres, mas as crianças e idosos vêem logo de seguida, mas nãos e enganem, os homens também são vítimas de violência.
O relatório da APAV revela que as mulheres que são vítimas de violência, têm por volta de 42 anos, com estudos ao nível do ensino superior, em que a maioria das vezes são praticas pelo cônjugue ou ex–conjugue, mas também é praticado pelos próprios filhos!
No caso das crianças, as vítimas, na sua maioria, são do sexo feminino, 62% dos casos, com a média de idades de 11 anos, e é maioritariamente praticado pelos pais. Pelos pais! Ora estamos a educar crianças com violência, para se tornarem adultos violentos. Parará de alguma forma e alguma vez?
A violência contra os idosos, cerca de 78% é ao sexo feminino, numa média de idades de 75 anos, com um grau de ensino baixo – surpreendia-me se fosse de ensino superior, com a taxa de alfabetismo que havia na altura – em que a maioria é praticado pelos filhos.
Uma vez mais os filhos. Os filhos que seguem os nossos exemplos e que são educados por nós. Será a responsabilidade apenas dos próprios agressores? Calma, com isto não estou a dizer que as vítimas não deixam de ser vítimas. Estou a tentar esclarecer, que na minha óptica, há sempre uma responsabilidade a ser chamada, por ambas as partes.
Tenhamos o exemplo das crianças já crescem vítimas de agressão, será que depois não serão elas as agressoras? E as mulheres, bom é um pouco arriscado falar sobre a violência contra a mulher, nós de forma geral somos mais complicadas, mas acima de tudo, parece-me que muitas vezes temos a síndrome de “mães” e cuidadoras dos nossos companheiros, e que os conseguimos mudar e que eles não são assim, etc, etc. Penso que de certo modo, toleramos o intolerável, e tornamo-nos dependentes emocionalmente de um companheiro abusivo e tóxico, só em prol de um amor? É amor? Claro está que não é assim tão linear, e cada caso é um caso, mas…
A História ensinou-nos que os homens precisavam que as mulheres fossem dependentes deles, senão não teríamos assistido a insistentes lutas pela liberdade e emancipação da mulher. O acesso da mulher a direitos básicos, como ser susceptível de personalidade jurídica, sim, personalidade jurídica, isto porque as mulheres à luz do código civil de Seabra, que estava em vigor anterior a este, a mulher era propriedade, que passava do pai para o marido. Já pensaram porque é que seria que num casamento existe o ritual da entrega da noiva de pai para marido? Pois bem, era por isso. A mulher não tinha opinião, ideias ou sequer seria capaz de pensar sozinha sobre o que seria melhor para ela. Revoltante, não é?! As sufragistas mudaram isto. Felizmente para nós.
Felizmente para nós que houve mulheres que revolucionaram o nosso caminho, e nos abriram portas, mas será que nos dias de hoje damos o verdadeiro valor a isso? Ou simplesmente damos como dado adquirido? A mulher não tinha o direito ao voto, neste momento temos, e damos-lhe uso? O que é que damos de valor à sociedade? Trabalho e fotos sexies em redes sociais?
Bom, voltando ao tópico.
Os nossos tribunais ainda continuam a ser presididos na sua maioria por juízes do sexo masculino, em que emitem sentenças e fazem jurisprudência com elas. Existiram muito recentemente escândalos – sim para mim foi escandaloso – em que ora envolviam juízes condenados por crimes de violência doméstica, ou que emitiam sentenças com citações da Bíblia dizendo que a mulher adúltera deve de ser punida com a morte, e que o adultério é um atentado à honra e dignidade do homem. Fiquei sem palavras. Honestamente, fiquei sem palavras ao ler esta sentença.
Temos uma mulher, que lutou contra si mesma, foi agredida e humilhada pelo seu companheiro, anos a fio, e finalmente ganhou coragem para fazer queixa e sair de casa – sim, porque ao fim ao cabo, são sempre as vítimas que têm de sair de casa e ficar sem nada, porque o agressor acha que nada se passa e que está tudo bem – e depois chega a tribunal ainda tem de ser humilhada uma vez mais pelos olhos distorcidos deste tipo de justiça?!
A meu ver, o trabalho ainda é muito longo em Portugal até se mudar o pensamento em relação aos direitos das mulheres, igualdades, não discriminação em função do sexo e a dignidade humana. Acima de tudo, quando se trata a justiça neste caso. Existem poucos mecanismos de defesa da vítima. E as represálias que são sofridas, após as vítimas tomarem a iniciativa de saírem de uma situação de crime, em que muitas das vezes o crime deixa de ser na forma tentada e passa a ser consumada.
E que crimes podem ser praticados neste âmbito?
Vários na realidade. Sendo que os mais comuns são, crimes contra a vida e integridade física, contra a liberdade pessoal, crimes de foro sexual ou ainda contra a honra.
Todos estes crimes são puníveis na forma tentada ou consumada no nosso ordenamento jurídico, ainda que estejamos a anos de luz, na relação dano e aplicabilidade da lei, com o efeito que é suposto ser alcançado com a justiça e protecção esperada. A verdade é, sempre que falo ou atendo no escritório uma vítima de violência, o primeiro sentimento que expressão, é que se sentem desprotegidas e que sabem que a justiça só fará algo, quando se passa para um crime mais grave, e muitas vezes já sem retorno.
O bom direito, anda sempre de mãos dadas com o bom senso!